O debate sobre o “fair share”, ou uso eficiente da rede, está ganhando cada vez mais atenção na América Latina. Os atores do ecossistema digital e os responsáveis pela formulação de políticas públicas discutem a viabilização da remuneração pelo uso da rede por parte dos grandes geradores de tráfego de internet (GGTs) para os operadores de redes e provedores de serviços de internet (ISPs). O novo relatório da GSMA Intelligence aborda alguns mitos e verdades relacionados à potencial implementação desse mecanismo, que poderá incrementar os benefícios para a sociedade digital das próximas décadas.
1. A quantidade de tráfego na rede é um fator determinante no seu custo
Sim, a quantidade de tráfego influencia o custo da rede. Tanto os gastos de capital quanto os gastos operacionais são determinados pela capacidade de design da rede, sendo que o aumento da capacidade afeta diretamente o custo da rede. Outros fatores também influenciam os custos, mas o volume de tráfego é um dos principais contribuintes.
2. Considerando que os operadores já cobram dos consumidores pelo acesso à internet, impor contribuições às empresas de internet com base na distribuição do tráfego não seria cobrar duas vezes pelo mesmo serviço?
Não. As redes são um mercado de dois lados: os consumidores as utilizam para acessar conteúdo, e os provedores de conteúdo dependem delas para alcançar os consumidores. Se um lado – ou ambos os lados – pagam pelo uso, isso depende de características particulares de cada lado do mercado. Ter uma contribuição de ambos significa que o custo é compartilhado entre os dois tipos de usuários da rede: consumidores e GGTs.
3. Qual é a vantagem de cobrar dos GGTs pela distribuição do tráfego, se comparado com a cobrança de valor apenas dos consumidores?
Cobrar com base no uso da rede oferece os incentivos necessários para promover a sua eficiência e evitar o efeito carona (free-riding) ou a tragédia dos bens comuns. Esses incentivos não podem ser estendidos apenas aos consumidores, pois eles têm controle limitado sobre o consumo e a transmissão de dados, especialmente considerando a quantidade de tráfego não-solicitado enviado pelos GGTs. Um incentivo deve ser estendido aos GGTs, que possuem a capacidade e a expertise para gerenciar os fluxos de dados de seus serviços de maneira eficiente. Essa mudança também poderia melhor equilibrar a responsabilidade sobre quem assume o custo da rede: pequenos usuários da rede estão atualmente subsidiando os grandes usuários de serviços e aplicativos.
4. Considerando que os GGTs já pagam por servidores e suas próprias redes de entrega de conteúdo, isso não lhes daria um incentivo suficiente para entregar conteúdo de forma eficiente aos consumidores?
Não. Embora os GGTs tenham alguns incentivos internos para usar partes das redes, isso não é suficiente para permitir uma gestão eficiente do tráfego. A principal razão disso é a assimetria de custos: cerca de 80% do custo total das redes recai sobre as redes de acesso, que são financiadas e gerenciadas pelos ISPs. Os GGTs realizam apenas investimentos pontuais para otimizar a transmissão de dados de seus servidores de cache para as redes dos ISPs e apenas na medida em que isso os beneficia individualmente.
5. Por que os pagamentos diretos são tão raros hoje em dia?
Atualmente, as regulamentações limitam significativamente o poder de negociação das operadoras, o que restringe a adoção de uma remuneração pelo seu uso. Exemplos incluem as regulamentações de neutralidade da rede, as obrigações de serviço universal e qualidade, e as regras adicionais sobre peering e interconexão. Estes fatores resultam em uma assimetria no poder de negociação, que impede os ISPs de estabelecerem margens de negociação eficazes e de firmarem acordos que verdadeiramente incentivem o uso eficiente das redes por parte dos GGTs.
6. Os pagamentos diretos levariam à discriminação do tráfego na internet e criariam uma barreira de entrada para empresas menores?
Não. Os pagamentos dos GGTs não são incompatíveis com os princípios da internet aberta. A compensação pelo tráfego gerado pode ser aplicada igualmente com base em cada unidade de tráfego de dados, ao invés de tipos específicos de tráfego. Esses pagamentos poderiam ser aplicados apenas a provedores de conteúdo que atingem grande escala e, portanto, são responsáveis pelos requisitos de investimento na rede, permitindo que serviços menores testem e inovem sem um ônus adicional. Da mesma forma, ISPs menores poderiam se beneficiar de um poder de negociação mais equilibrado.
É urgente o debate sobre o “fair share” quando pensamos no futuro digital. A remuneração pelo uso da rede por parte dos GGTs pode ser uma solução baseada na dinâmica do mercado, melhorando as perspectivas de investimento para a construção da sociedade conectada de amanhã. Essa solução habilitará uma melhor experiência online ao descongestionar a rede para usuários individuais, bem como para a sociedade como um todo. Colocar travas nessa discussão pode representar um grave retrocesso na redução de gaps digitais e na adoção de uma verdadeira conectividade significativa e universal.
O novo relatório “Grandes geradores de tráfego e uso da rede: mitos e verdades” está disponível para download aqui.